A campeã do ranking, destaca-se na maior parte dos indicadores e estuda formas de manter a eficiência do sistema de transporte público
Curitiba tem se notabilizado nos últimos tempos por abrigar o quartel-general da Operação Lava-Jato. É desse QG que o juiz federal Sérgio Moro comanda os processos decorrentes da investigação de um dos mais rumorosos casos de corrupção no País. Muito tempo antes de ganhar fama por hospedar em aposentos policiais os suspeitos de participarem de atos ilícitos dessa natureza, no entanto, a capital paranaense frequentemente se destacava por ter boas gestões públicas e por suas inovações, sobretudo urbanísticas. Seu sistema de transporte público, por exemplo, idealizado na década de 1970, foi adotado por várias outras metrópoles no mundo. É de tal forma integrado que liga 14 municípios da região metropolitana ao longo de 81 quilômetros de corredores de ônibus conectados a terminais em várias regiões da cidade e por onde circulam mais de 2 milhões de passageiros todos os dias.
Essa tradição curitibana se confirmou na análise do anuário As Melhores Cidades do Brasil. O município teve boa colocação em praticamente todos os indicadores levados em conta pela consultoria Austin Rating para elaborar o ranking, o que lhe conferiu o primeiro lugar na classificação geral e entre as cidades de grande porte (com mais de 200 mil habitantes). Mesmo com sinais de saturação, seu sistema de transporte público ainda funciona melhor que o de muitas capitais. O trajeto de 20 quilômetros entre o centro de Curitiba e o Aeroporto Internacional Afonso Pena, na vizinha São José dos Pinhais, pode ser feito ao custo de R$ 3,30 pela passagem de ônibus. Uma viagem intermunicipal dificilmente sairá por esse preço em outra grande capital.
Para reduzir acidentes com idosos, o município instalou semáforos inteligentes; ao aproximar o cartão, equipamento identifica que é idoso e amplia o tempo de travessia
Para reduzir acidentes com idosos, o município instalou semáforos inteligentes; ao aproximar o cartão, equipamento identifica que é idoso e amplia o tempo de travessia
Um dos projetos da prefeitura curitibana para combater os sinais de saturação do sistema de ônibus é a construção do metrô. A primeira licitação para o empreendimento foi suspensa no ano passado pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que pediu explicações adicionais. Os pontos foram esclarecidos ao TCE, o edital retomado, mas a crise financeira pela qual passa o País emperrou de novo o processo. O projeto está sendo refeito para que o consórcio vencedor assuma a construção e a operação. O investimento previsto é de R$ 4,3 bilhões, divididos em R$ 1,8 bilhão bancado pelo governo federal, R$ 700 milhões pelo governo do estado, R$ 700 milhões pela prefeitura e a diferença, R$ 1,1 bilhão, pelo setor privado. O projeto contará com linha de crédito do BNDES. Na primeira etapa, terá 14 quilômetros e poderá chegar a 20 quilômetros durante os 30 anos da concessão.
O projeto de instalação do metrô curitibano vem recebendo muitas críticas. Uma das vozes contrárias é a do arquiteto Jaime Lerner, ex-prefeito da cidade, ex-governador do Paraná e considerado o artífice do sistema de transporte público que tornou Curitiba uma referência mundial. Para ele, seria melhor usar esses recursos financeiros para revitalizar o sistema atual, baseado em ônibus que trafegam em canaletas exclusivas e nos quais os passageiros entram por meio de uma estação-tubo, na qual pagam antecipadamente a tarifa — tal qual se faz nos metrôs.
Estação de Sustentabilidade para receber materiais recicláveis ajudará a cidade a neutralizar a geração de lixo neste ano
Estação de Sustentabilidade para receber materiais recicláveis ajudará a cidade a neutralizar a geração de lixo neste ano
O atual prefeito, Gustavo Fruet (PDT), explica que, hoje, as linhas de ônibus transportam 23 mil usuários por hora. Mesmo com veículos com grande capacidade, nos cruzamentos, no horário de pico, há risco de formação de comboios e não haverá ganho de velocidade, porque os ônibus se enfileirarão nas canaletas. “O metrô é um projeto mais caro, porém expandirá a capacidade de transporte com mais 25 mil passageiros por hora”, diz Fruet.
Ele conta que sua administração realiza ajustes na semaforização de forma que, em alguns eixos da cidade onde há 40 cruzamentos, os ônibus parem duas ou três vezes apenas, durante o deslocamento. “Nos horários de pico, isso dará um ganho de 25%”, aponta Fruet. A implantação de faixas exclusivas, fora das canaletas, significará outro ganho de tempo de pelo menos 20% no centro da capital. A prefeitura também testa sua quarta geração de ônibus, movidos integralmente a eletricidade e/ou a biodiesel, capazes de transportar até 230 passageiros.
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Outro ajuste em 120 semáforos foi feito em abril deste ano, porém com a finalidade de facilitar a travessia de idosos e deficientes físicos. O sistema funciona com o cartão cadastrado por esses pedestres para usar gratuitamente o transporte coletivo. Quando o cartão é aproximado ao equipamento instalado no poste para solicitar a passagem na faixa de segurança, o semáforo identifica que se trata de uma pessoa idosa ou com deficiência e aumenta o tempo em que fica com o sinal verde para pedestres. A medida foi tomada após a prefeitura constatar que o número de idosos envolvidos em acidentes de trânsito correspondia a 40% das vítimas fatais de atropelamentos nos últimos anos.
Medidas simples mas eficazes como essa explicam por que Curitiba ainda é considerada uma referência mundial em criatividade e pioneirismo em gestão pública. Em 2014, foi condecorada com o prêmio Hermès de l’Innovation, na França, pelo Instituto Europeu de Estratégias Criativas e de Inovação, na categoria Qualidade de Vida das Cidades. A avaliação é feita por diretores de grandes empresas globais, mediante 12 critérios: dimensão universal, melhoria da autonomia das pessoas, diversidade cultural, melhoria da qualidade de vida, boa gestão, crescimento e desenvolvimento econômico, desenvolvimento do emprego e riqueza, excelência científica e técnica, capacidade de liderança, iniciativa, espírito pioneiro e compromisso, respeito ao meio ambiente, e desenvolvimento humano.
O espírito crítico de seus moradores — para os quais títulos como esse nada valem se não tiverem correspondência no dia a dia do cidadão — deriva de uma população letrada. De acordo com o Censo Demográfico de 2010, do IBGE, Curitiba tem índice de analfabetismo de 2,1%, um dos menores entre as capitais (a média nacional é de 9,6%). Em 2016, a prefeitura pretende aplicar 30% de suas receitas em educação (a Constituição estabelece pelo menos 25%). O orçamento total previsto para a capital paranaense no próximo ano é de R$ 8,3 bilhões.
Mesmo com o aperto financeiro e os cortes de despesas, a área de saúde contará com investimento de R$ 1,35 bilhão
Mesmo com o aperto financeiro e os cortes de despesas, a área de saúde contará com investimento de R$ 1,35 bilhão

Clareza para o que pode e não pode ser feito

Para Gustavo Fruet, prefeito da capital paranaense, a melhor maneira de enfrentar a atual crise política é aumentar a transparência sobre a forma de administrar os recursos públicos
“Contabilizei durante um ano os pedidos da população. Apesar de legítimos, se todos fossem atendidos, custariam R$ 20 bi, três vezes nosso orçamento”
Curitiba se notabilizou na década de 1970 por inovações no transporte público que serviram de modelo para cidades do mundo todo. Pode se dizer o mesmo hoje?
Gustavo Fruet – Curitiba inovou ao instituir canaletas exclusivas para os ônibus, com as estações de embarque semelhantes às de metrô, viagens pré-pagas e gratuidade nos transbordos. Só que a cidade pagou o custo do pioneirismo, muito elevado até hoje. Boa parte dessa estrutura foi arcada pela prefeitura, não pela tarifa. Em 2015, gastaremos R$ 80 milhões só na manutenção do sistema. A cidade cresceu muito e a estrutura para dar suporte a essa expansão não aumentou na mesma proporção. Os grandes passivos da administração municipal estavam no setor de transportes. Dois anos antes de assumirmos, as empresas que exploram o serviço reclamavam de déficit de R$ 200 milhões.
Estamos dando transparência a esses dados e procurando reequilibrar o sistema.
O que a cidade está fazendo para equilibrar as contas diante do atual cenário econômico?
Fruet – Em 2015, o investimento previsto na saúde será de R$ 1,35 bilhão e na educação, de R$ 1,6 bilhão. Ambos os setores contam com repasses federais, porém a maior parte dos recursos é assumida pela prefeitura. O município precisa descobrir fórmulas de incrementar seu orçamento num cenário econômico adverso. Reavaliamos a planta genérica da cidade, que serve de base para o cálculo do IPTU. Fazia dez anos que não era atualizada. Outra providência foi reajustar o Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI), nossa terceira maior fonte de receita tributária. Mesmo com esses aumentos, não tivemos nenhuma contestação judicial, como ocorreu em outras cidades. Também cortamos R$ 300 milhões em despesas, sem prejudicar nenhum serviço.
Essas medidas levam em conta políticas para a atração de empresas?
Fruet – No final de junho, a prefeitura firmou um acordo de remissão de dívida com o governo estadual, referente à implantação da cidade industrial, um processo que se arrastava havia 50 anos, envolvia débitos de R$ 1 bilhão e impedia que a propriedade dos terrenos passasse definitivamente às companhias que se instalaram naquele polo, o que criou insegurança jurídica e afastava possíveis investidores. Eram dívidas contraídas basicamente para realizar a desapropriação dos terrenos. Já regularizamos nesta gestão o equivalente a 3,5 milhões de metros quadrados, o que envolve unidades expressivas de grandes empresas já instaladas aqui.
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Gustavo Fruet considera que a cidade pagou o preço do pionieirismo ao implementar as canaletas exclusivas de ônibus, já que boa parte da estrutura foi arcada pela prefeitura
O Câmbio Verde — programa que incentiva o recolhimento de materiais recicláveis em troca de alimentos — ainda está em vigor?
Fruet – Este ano, arrecadaremos R$ 85 milhões com a taxa de lixo e gastaremos R$ 180 milhões com limpeza, coleta, transporte e destinação final do lixo. É o segundo maior déficit da cidade, depois da saúde e maior que o de transporte coletivo. Em torno de 15% desse lixo é separado e parte desse processo se dá com o Câmbio Verde. O programa consiste na troca do lixo reciclável por hortifrutigranjeiros. Cada 4 quilos de lixo vale 1 de frutas e verduras. Pode ser trocado também o óleo vegetal e animal: cada 2 litros de óleo vale 1 quilo de alimento. Nossa previsão para este ano é de que não haverá aumento na quantidade de lixo gerada no município, o que é algo muito significativo.
Levantamento do Instituto Paraná Pesquisa, divulgado em março, mostra que 65% dos curitibanos desaprovam a sua administração. A que o senhor atribui isso?
Fruet – Estamos vivendo o pior período da história recente. Há uma crise política — acentuada pela econômica — que começou em julho de 2013, com os protestos contra o aumento das tarifas do transporte público e se estendeu até a Copa, no ano passado. Vai levar muito tempo, gerações talvez, para que um gestor público volte a ter aprovação de 80% da população. Não entro em depressão diante de pesquisas como essa. Se dependesse delas, jamais teria vencido uma eleição, desde a minha primeira disputa para deputado federal até a última, para o cargo de prefeito que ocupo hoje. A boca de urna dizia que eu estava sete pontos atrás do segundo colocado. As pesquisas são importantes, mas estamos vivendo um grau de intolerância nunca visto também. Digo para minha equipe: “Foco no trabalho, clareza no que pode ser feito, na explicação do que não pode ser feito e muita atenção ao plano de governo”.

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