Maior alteração na CLT é prevalência do negociado sobre o legislado. Aplicação de mudanças será cautelosa, preveem especialistas


Sancionada pelo presidente Michel Temer (PMDB) em 13 de julho e alvo de polêmicas desde a sua tramitação no Congresso Nacional, a reforma trabalhista entrará em vigor a partir deste sábado (11/11). A nova legislação altera mais de 100 pontos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e outros dispositivos que regem as relações entre empregadores e empregados no país. Entre as mudanças, a mais importante é a prevalência do negociado sobre o legislado: acordos firmados entre patrões e funcionários terão mais força do que a lei.

A partir de agora, empresas e colaboradores já possuem amparo legal para firmar convenções coletivas modificando aspectos trabalhistas que envolvem direitos constitucionais, como férias, horas extras e jornada de trabalho, entre outros. Esses acordos prevalecerão sobre a legislação vigente. Regras previstas pela Constituição Federal, por outro lado, como salário mínimo, 13º salário e Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), continuam garantidas e não podem ser objeto de negociação.
Apesar de a previsão legislativa flexibilizar as relações de trabalho, especialistas e entidades representativas apontam que as novas normas – a serem validadas apenas a partir de um acordo entre ambas as partes – deverão ser aplicadas de maneira gradativa e cuidadosa pelas empresas.
 Em um primeiro momento, a expectativa é que apenas itens que não alteram profundamente o sistema de trabalho de uma instituição sejam renegociados. São mudanças como a possibilidade do parcelamento das férias em até três vezes, a regulamentação do home office, a opção de rescisão de contrato sem a necessidade de homologação, o fim das horas in itinere (deslocamento a locais de trabalho de difícil acesso) e a possibilidade de utilização de marcas de patrocinadores em uniformes sem necessidade de autorização.
Veja, abaixo, vídeo com as principais mudanças que passam a vigorar:

“A lei vale para todos, mas o que a lei traz não vai alterar a vida de todos. A pessoa vai trabalhar na sexta e voltará na segunda com o mesmo emprego. Não será uma mudança observada no dia a dia imediatamente”, explica o professor de direito do trabalho da Fundação Armando Álvares Penteado (Faap), Carlos Eduardo Ambiel. Segundo ele, nos primeiros meses, as empresas deverão identificar quais alterações poderão ser negociadas de uma maneira mais simples para, ao longo dos próximos anos, implementar mudanças mais profundas.
Em muitas empresas, as diferentes possibilidades de aplicação da nova legislação trabalhista já são objetos de estudo desde julho, quando o texto foi aprovado no Congresso. “A reforma muda e traz muitas novidades em diversos pontos, mas nem todos eles são cabíveis para toda e qualquer realidade”, observa o especialista em relações do trabalho da Confederação Nacional das Indústrias (CNI), Pablo Rolim. “Ok, temos uma boa regulamentação. Agora, todo mundo vai fazer? Não. Vai ser utilizado naquilo que fizer sentido”, pontua.


Pontos considerados como mais polêmicos, como o trabalho intermitente ou a permissão de grávidas e lactantes atuarem em locais insalubres, apontam especialistas, serão negociados em um segundo momento. As regras estão no conjunto de medidas que deveriam sofrer alteração posterior, conforme acertado entre o Planalto e o Senado para dar celeridade à aprovação da reforma no Congresso. A expectativa é que o governo elimine itens controversos por meio de medida provisória ou projeto de lei. Ainda não há, contudo, prazo oficial para que o Executivo realize adequações na legislação.
Resistência jurídica
Nesse intervalo, as mudanças previstas na reforma poderão enfrentar resistência entre membros da Justiça do Trabalho, os responsáveis por arbitrar impasses entre empresas e funcionários. Entidades do Judiciário já criticaram publicamente a nova legislação, classificando as alterações como inconstitucionais. A Associação Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra) chegou a divulgar documento apontando 125 enunciados problemáticos no texto que entrou em vigor neste sábado.
“Existe muito debate e há ainda muitas coisas que vão ter que ser definidas na análise do Judiciário. As instituições estão escolhendo os pontos que podem ser utilizados com poucos riscos. Isso vai variar, dependendo do apetite da empresa”, comenta o professor do curso de direito da Faculdade Getúlio Vargas do Rio de Janeiro (FGV-RJ), Luiz Guilherme Migliora. O jurista aponta que, quanto mais rápidas as mudanças forem implementadas, mais cedo serão “testadas” nos tribunais.
A previsão é que nova legislação seja usada integralmente por empresas apenas ao longo dos próximos anos. “É um processo demorado, que envolve a implementação, a ação e o seu julgamento. A consolidação dos conceitos vai acontecendo em vários anos porque a reforma trata de temas demais e o Judiciário trabalhista já se posicionou contra”, afirma Migliora.
E o trabalhador?Em linhas gerais, a nova legislação prevê duas modalidades de trabalhador: os que ganham menos do que dobro do teto dos benefícios do Regime Geral da Previdência Social (R$ 11.062,62, em 2017) ou não possuem curso superior e os que detém diploma e remuneração maior do que esse valor. Enquanto os primeiros continuam representados por sindicatos, os últimos poderão negociar seus contratos individualmente.
Em ambos os casos, contudo, diante das novas possibilidades de relações de trabalho, funcionários regidos pela legislação deverão se informar sobre as mudanças e buscar apoio em suas entidades representativas, aconselham especialistas. “Claro que existe desequilíbrio, porque, quando o empregador propõe, o empregado tem dificuldade em dizer não. Mas, se houver ato de coação, ele pode registrar e questionar no futuro. É importante que a negociação seja consensual”, explica Luiz Guilherme Migliora.
Nesse contexto, os sindicatos, que poderão sofrer com o fim da contribuição sindical obrigatória previsto pela reforma, devem ter papel central. “O trabalhador precisa procurar o seu sindicato e ter nele o principal instrumento de proteção e de defesa. Querer solução individual é correr risco de abrir mão de direitos”, alerta o diretor técnico do Departamento Intersindical de Estatísticas e Estudos Socioeconômicos (Dieese), Clemente Ganz Lúcio.
Segundo ele, a expectativa é que as mudanças previstas na reforma sejam implementadas por meio do diálogo entre empresários, trabalhadores e entidades representativas. “Esse é o caminho correto, não a imposição, que pode ampliar os conflitos no local de trabalho e afetar a atividade econômica da empresa”, destaca.
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